Na efervescente cena progressiva italiana da década de 70, Campo di Marte é mais uma das muitas bandas que lançaram apenas um único álbum antes de desapareceremo. No entanto, como frequentemente ocorre com essas bandas de one-shot, o legado deixado é de muita qualidade. O homônimo e único disco da banda, brilha intensamente mesmo diante das adversidades que enfrentaram, como a falta de apoio e uma produção que, apesar de limitada, não ofusca o brilho musical.
O disco é uma fusão notável de riffs pesados com a delicadeza progressiva característica da escola italiana. A combinação de hard rock com passagens sinfônicas e a execução impecável dos músicos fazem deste álbum uma ótima experiência. Cada faixa é bem estruturada, permitindo que as habilidades técnicas e criativas de cada integrante se destaque. Um destaque particular vai para Enrico Rosa, um dos guitarristas mais importantes da cena progressiva italiana. Seu domínio técnico é evidente, e sua carreira no jazz e rock após o fim da banda só reforça seu status.
A proposta do álbum é ousada: um conceito antimilitarista, envolto em uma sonoridade complexa e desafiadora, permeada por elementos de hard rock, progressivo e até mesmo jazz. A ideia de usar duas baterias é outro ponto que adiciona uma camada de profundidade e singularidade ao som da banda. A dissonância que surge entre o preenchimento instrumental (guitarra, baixo e bateria) e a voz de Rosa cria um contraste intrigante, quase vazio, mas intensamente emocional. As letras, poéticas e tocantes, descrevem as devastadoras consequências da guerra, pintando quadros vívidos de prados verdes transformados em cemitérios, um testemunho da loucura e do absurdo do conflito humano.
A capa do álbum, que retrata guerreiros turcos infligindo feridas em si mesmos, é uma metáfora poderosa que complementa a mensagem do disco. Ela simboliza a coragem insana e a futilidade da guerra, temas centrais na narrativa do álbum.
O álbum começa com "Primo Tempo", uma faixa que evoca mais Black Sabbath do que as tradicionais bandas sinfônicas italianas. A combinação de uma bateria dissonante e uma guitarra que colide com os teclados cria um som pesado e progressivo. Este hard rock é equilibrado por momentos pastorais, onde vocais suaves, órgão flutuante e uma bela passagem acústica com flauta conduzem a música a um outro patamar. O baixo pulsante e a bateria vibrante mantêm a energia em alta, estabelecendo um começo sinistro e envolvente para o disco.
Em "Secundo Tempo", a banda mostra seu lado mais tradicional, com uma introdução suave e acústica que exala a melodia pela qual as bandas italianas são tão reconhecidas. A flauta onírica cria uma atmosfera densa, interrompida apenas pela entrada da bateria, que adiciona um excelente contraste. A medida que a faixa avança, elementos de jazz latino e influências de Genesis se misturam ao som, reforçados pelo uso do Mellotron. Tudo flui de maneira suave, culminando em um final grandioso com guitarras distorcidas.
"Terzo Tempo" é uma verdadeira montanha-russa musical, começando com uma introdução cacofônica e quase metálica. No entanto, após alguns segundos, a música se transforma radicalmente com a entrada do piano e dos vocais, criando uma balada melancólica que logo evolui para uma melodia sinfônica. As mudanças constantes de direção mantêm o ouvinte atento, demonstrando a essência do rock progressivo em toda a sua complexidade.
"Quarto Tempo" é uma faixa bifurcada, onde a primeira metade é um solo de órgão barroco inspirado em Johann Sebastian Bach, que de repente se transforma em uma peça de rock sinfônico de tirar o fôlego. Aqui, cada instrumentista entrega sua melhor performance, culminando em um final acústico surpreendente e que funciona como a cereja do bolo.
"Quinto Tempo" começa com linhas intrincadas de guitarra, seguidas por uma melodia de flauta belíssima e harmonias vocais igualmente impressionantes. A combinação de bateria, guitarra acústica e órgão é fabulosa, com uma parte enriquecida pelo uso magistral do Mellotron. Na parte final, a melodia vocal retorna, encerrando a faixa de maneira sublime. Embora possa parecer previsível em certos aspectos, os detalhes sutis e inesperados sempre capturam a atenção do ouvinte.
"Sesto Tempo" é uma faixa de excentricidade surpreendente, onde a banda mistura todos os estilos que consegue, criando uma experiência auditiva que, embora pareça caótica, resulta em uma obra coerente e energética. A combinação de guitarra fervorosa, órgão intenso, sintetizadores e trompetes encaixados com precisão, baixo pulsante e bateria sólida fazem desta faixa uma verdadeira delícia do início ao fim.
Por fim, "Settimo Tempo" encerra o álbum de maneira majestosa. A faixa apresenta contrastes entre uma guitarra intrincada, órgão e bateria, além de mudanças de temas e estilos musicais que são ao mesmo tempo contraditórios e complexos. Descrever essa faixa em palavras é um desafio, pois sua beleza transcende qualquer tentativa de explicação. É um final digno para uma obra muito boa.
Campo di Marte pode ter sido uma banda efêmera, mas o legado deixado por este álbum é eterno. A Itália nos brindou com muitas joias progressivas nos anos 70, e este disco certamente está entre eles. Um testemunho da criatividade e paixão que permeava a cena musical da época, e um lembrete de quanto mais essa banda poderia ter oferecido se as circunstâncias fossem diferentes.
NOTA: 8/10
Tracks
Listing:
1.
Primo Tempo (8:10)
2. Secundo Tempo (3:20)
3. Terzo Tempo (6:20)
4. Quarto Tempo (3:15)
5. Quinto Tempo (5:58)
6. Sesto Tempo (5:12)
7. Settimo Tempo (8:28)
Ouça, "Sesto Tempo"
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