Peter Hammill - Over (1977)

Over, de Peter Hammill, é um álbum que carrega uma grande densidade emocional. Menos conhecido no Brasil, mas imensamente influente no cenário do rock progressivo, Van der Graaf Generator deve muito de sua singularidade à mente brilhante de Hammill. No entanto, sua carreira solo é onde sua criatividade realmente floresce de maneira mais íntima e pessoal. Seus primeiros discos solos compartilham da mesma aura de sua banda, mas Over se destaca por uma sonoridade mais singular, menos progressiva e mais focada no rock como um veículo emocional. Mesmo assim, Hammill desafia os limites dos estilos musicais, introduzindo elementos folk e clássicos em arranjos que oscilam entre o acústico minimalista e o uso completo de instrumentos, sempre com uma sobriedade marcante.

O álbum começa com "Crying Wolf", uma faixa carregada de raiva, onde Hammill explora vocais intensos. A letra, porém, revela que essa raiva é interna, dirigida a si mesmo. Musicalmente, a faixa se aproxima do estilo de Nadir's Big Chance, com camadas densas de instrumentos. O solo de guitarra, sempre focado na emoção, é um reflexo da natureza de Hammill, que não busca impressionar, mas sim comunicar o humor da canção. "Autumn", por sua vez, é uma faixa que reflete sobre a sensação de inutilidade que alguns pais sentem quando seus filhos crescem e seguem seus próprios caminhos. Aqui, Hammill entrega uma interpretação vocal profundamente emocional, complementada por uma orquestração belíssima. No entanto, apesar de sua beleza, a faixa parece ligeiramente deslocada dentro do contexto do álbum.

"Time Heals" é a peça mais progressiva do disco. Composta de duas partes que se unem de forma orgânica, a canção tem uma estrutura quase cinematográfica. Liricamente, é o coração do álbum, explorando o processo de superação de um relacionamento que chegou ao fim. Ainda que esse tema possa parecer clichê, Hammill o aborda com uma sinceridade e profundidade emocional que transformam o comum em algo diferenciado. Os arranjos progressivos incluem cravos e moogs, adicionando um toque medieval, mas é o piano que realmente brilha, sustentando a essência da faixa. "Alice (Letting Go)" é uma das canções mais simples do álbum, com Hammill acompanhado apenas por seu violão, delicadamente tocado e produzido. A franqueza e honestidade de sua escrita fazem dessa música um momento muito tocante.

"(This Side Of) The Looking Glass" eleva a carga emocional, com a orquestra reforçando o tom melancólico. A introdução cria uma atmosfera de saudade e anseio pela presença de um ente querido. Hammill, com sua habilidade vocal inegável, canta em tons altos, o que pode ser interpretado por alguns como melodramático, mas para os que apreciam esse lado emocional, a faixa é excelente. "Betrayed" traz uma veia mais agressiva, com um violino feroz e um violão ácido, enquanto Hammill entrega letras cínicas e uma interpretação mordaz. Não é uma faixa para dias felizes, mas sua condução impecável a torna um destaque sombrio no álbum.

"(On Tuesdays She Used to Do) Yoga" carrega uma atmosfera densa e depressiva. A simplicidade da instrumentação acústica somada aos vocais quebrantados de Hammill, cria um retrato devastador de desespero e solidão. A faixa termina com uma intensidade emocional difícil de ignorar. Finalmente, "Lost and Found" encerra o disco com um toque de otimismo. Hammill reflete sobre como os tempos ruins podem rapidamente se transformar em algo positivo. O vocal inicialmente suave vai ganhando uma intensidade dramática à medida que ele relembra seu último encontro com Alice. A faixa conecta-se à "La Rossa", do disco Still Life do Van der Graaf Generator, e a compreensão completa de "Lost and Found" ganha profundidade quando ouvimos ambas. Guitarras distorcidas e psicodélicas criam um caos que eventualmente se dissolve em esperança, com uma melodia acelerada e alegre fechando o álbum muito bem.

Over pode não satisfazer quem busca o rock progressivo puro, mas, para aqueles dispostos a abraçar a jornada emocional proposta por Peter Hammill, é um disco transformador. Intenso, perturbador e profundamente comovente, Over é uma obra que toca o coração de quem ouve, e suas letras, tão pessoais e sinceras, ecoam nas experiências humanas mais íntimas. Cada vez que ouço este disco, sinto-me envolvido por seu abraço poderoso.

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Over, by Peter Hammill, is an album laden with deep emotional intensity. Though lesser-known in Brazil, Hammill’s immense influence on the progressive rock scene is undeniable. Van der Graaf Generator owes much of its uniqueness to his brilliant mind. However, his solo career is where his creativity truly flourishes in a more intimate and personal way. While his earlier solo records share a similar aura with his band, Over stands out for its more singular sound, less progressive and more focused on rock as an emotional vehicle. Nonetheless, Hammill continues to push the boundaries of musical styles, introducing folk and classical elements in arrangements that oscillate between minimalist acoustics and full instrumentation, always marked by a sober tone.

The album opens with “Crying Wolf,” a track filled with anger, where Hammill delivers intense vocals. However, the lyrics reveal that this anger is internal, directed at himself. Musically, the track echoes the style of Nadir's Big Chance, with dense layers of instruments. The guitar solo, always emotionally focused, reflects Hammill's nature, aiming not to impress but to communicate the mood of the song. “Autumn,” on the other hand, reflects on the feeling of uselessness that some parents experience when their children grow up and follow their own paths. Here, Hammill offers a deeply emotional vocal performance, complemented by beautiful orchestration. However, despite its beauty, the track feels slightly out of place within the album's context.

“Time Heals” is the album’s most progressive piece. Composed of two organically fused parts, the song has a nearly cinematic structure. Lyrically, it serves as the heart of the album, exploring the process of moving on after a relationship ends. While this theme may seem cliché, Hammill approaches it with such sincerity and emotional depth that it transforms the ordinary into something extraordinary. The progressive arrangements include harpsichords and Moogs, adding a medieval touch, but it’s the piano that truly shines, underpinning the essence of the track. “Alice (Letting Go)” is one of the simplest songs on the album, with Hammill accompanied only by his delicately played and produced guitar. The frankness and honesty of his writing make this a deeply touching moment.

“(This Side of) The Looking Glass” heightens the emotional weight, with the orchestra reinforcing its melancholic tone. The introduction creates an atmosphere of longing and yearning for the presence of a loved one. Hammill, with his undeniable vocal skill, sings in high tones, which may be seen as melodramatic by some, but for those who appreciate this emotional side, the track is outstanding. “Betrayed” brings a more aggressive tone, with a fierce violin and biting guitar, while Hammill delivers cynical lyrics and a biting performance. It’s not a track for happy days, but its impeccable execution makes it a dark highlight of the album.

“(On Tuesdays She Used to Do) Yoga” carries a dense and depressive atmosphere. The simplicity of the acoustic instrumentation combined with Hammill’s broken vocals creates a devastating portrait of despair and loneliness. The track ends with an emotional intensity that is hard to ignore. Finally, “Lost and Found” closes the album with a touch of optimism. Hammill reflects on how bad times can quickly turn into something positive. The initially soft vocals build dramatic intensity as he recalls his last meeting with Alice. The track connects to “La Rossa” from Van der Graaf Generator’s Still Life, and the full understanding of “Lost and Found” deepens when listening to both. Distorted and psychedelic guitars create chaos that eventually dissolves into hope, with an upbeat and joyful melody wrapping the album up beautifully.

Over may not satisfy those seeking pure progressive rock, but for those willing to embrace Peter Hammill’s emotional journey, it is a transformative album. Intense, unsettling, and deeply moving, Over is a work that touches the hearts of its listeners, with its personal and sincere lyrics resonating with the most intimate human experiences. Every time I listen to this album, I feel enveloped by its powerful embrace.

 NOTA: 8/10

Tracks Listing

1. Crying Wolf (5:12)
2. Autumn (4:13)
3. Time Heals (8:42)
4. Alice (Letting Go) (5:33)
5. (This Side Of) The Looking Glass (6:57)
6. Betrayed (4:44)
7. (On Tuesdays She Used to Do) Yoga (3:55)
8. Lost and Found (7:11)

Ouça, "Time Heals"



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