Io Sono Nato Libero é uma das maiores obras-primas do rock progressivo italiano. O terceiro álbum do Banco Del Mutuo Soccorso é um exemplo supremo de como a banda conseguiu combinar complexidade e variedade de estilos em uma coesão sonora que, para alguns, inicialmente pode parecer confusa, mas real é que tudo flui de maneira magnífica, mantendo atenção do ouvinte do início ao fim.
Io Sono Nato Libero é um trabalho incrivelmente denso e comprometido, exigindo tempo e dedicação para penetrar completamente em sua rica "arquitetura musical". Comparado ao disco de estreia e ao aclamado Darwin!, aqui a banda oferece um espaço maior para as guitarras, destacando um crescimento evidente da banda, que parece ter amadurecido, desenvolvendo um estilo verdadeiramente pessoal. Este também é o primeiro álbum a contar com o guitarrista Rodolfo Maltese, embora ele tenha sido creditado apenas como músico convidado. Seu toque, no entanto, é essencial para a "alquimia musical" que define o disco, complementando de maneira primorosa o trabalho intricado de piano e teclados dos irmãos Nocenzi, e a voz inconfundível de Francesco Di Giacomo.
A abertura do álbum é marcada pelo épico “Canto Nomade Per Un Prigioniero Politico”, uma suíte de mais de quinze minutos que começa com um teclado minimalista e logo revela a bela e poderosa voz de Di Giacomo. À medida que a faixa se desenvolve, bateria e baixo entram em cena, conferindo uma dinâmica intensa à música. Aqui, o Banco nos oferece um dos melhores exemplos do que o rock progressivo significa: uma estrutura complexa que, em certos momentos, evoca comparações com o King Crimson, especialmente nos toques jazzy, mas sempre mantendo uma melodia sólida como alicerce. Esta faixa inicial exibe uma impressionante diversidade de estilos, uma linha vocal melódica e uma forte influência da música clássica e de vanguarda. Cada segmento é meticulosamente construído, com o piano e o teclado sendo usados de maneira intercambiável, criando um tapete sonoro que ora se entrelaça com a guitarra, ora com a bateria, resultando em uma peça repleta de nuances únicas e estruturas complicadas, porém, perfeitamente direcionadas.
Em seguida, “Non Mi Rompete” oferece um contraste interessante. Com uma sonoridade pop mais acessível, marcada por melodias agradáveis e multicamadas, essa faixa parece feita para ser um single de sucesso, ainda que não se encaixe exatamente no molde de uma balada tradicional. Sua fluidez, que desafia convenções, quebra a complexidade da faixa anterior, exemplificando a diversidade estilística da banda. Mesmo nos momentos mais acelerados, a guitarra acústica mantém o ritmo, enquanto a ausência de bateria confere um toque singular à música. Francesco Di Giacomo, como sempre, brilha com sua gama vocal impressionante, que é sem dúvida, uma das mais notáveis de todo o universo progressivo.
“La Città Sottile” nos leva a uma mudança radical de direção, apresentando uma espécie de jazz sinfônico. Aqui, a banda opta por uma estrutura relativamente simples, enriquecida por um toque jazzístico através do estilo de guitarra, combinado com os trabalhos vanguardistas de piano e teclados. Em alguns momentos, o piano ressoa com a força poderosa de Rachmaninoff, criando uma peça que surpreende em sua execução e composição.
“Dopo... Niente È Più Lo Stesso” mergulha em temas mais sombrios, refletindo a história de um soldado que retorna da Batalha de Stalingrado. A música captura perfeitamente o sentimento de desolação e transformação, com uma seção dissonante onde a flauta doce entra em conflito com o resto dos instrumentos, especialmente o piano. Os vocais de Di Giacomo são particularmente expressivos aqui, e a atmosfera ambiente da faixa é magistralmente construída. A música alterna entre momentos suaves, dominados pelo vocal e teclado, e passagens frenéticas que remetem à veia mais experimental do King Crimson. O baixo, especialmente no final, se torna pulsante e dominante, encerrando a faixa com uma força avassaladora.
O álbum encerra com a curta peça instrumental “Traccia II”, onde a banda demonstra seu lado quase totalmente clássico, exceto pelos toques de Moog e bateria que nos trazem de volta ao território progressivo. A interação entre os irmãos Gianni e Vittorio Nocenzi é simplesmente espetacular, com o piano e os teclados criando uma tapeçaria sonora rica e repleta de camadas.
Não há dúvida de que, com Io Sono Nato Libero, o Banco Del Mutuo Soccorso nos ofereceu a quintessência de sua arte. É um álbum que, embora complexo, revela-se surpreendentemente acessível após algumas audições. A banda consegue misturar elementos de folk, música clássica, jazz e rock de uma maneira única, criando uma sonoridade que, apesar das múltiplas influências, é inconfundivelmente própria. Emocional e tecnicamente brilhante, este álbum é essencial para qualquer amante de rock progressivo.
NOTA: 10/10
Tracks
Listing:
1.
Canto Nomade Per Un Prigioniero Politico (15:46)
2. Non Mi Rompete (5:09)
3. La Città Sottile (7:13)
4. Dopo... Niente È Più Lo Stesso (9:55)
5. Traccia II (2:39)
Ouça, "Canto Nomade Per Un Prigioniero Politico"
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