Magma - Kobaïa (1970)

 

Se você está começando a explorar o universo do Zeuhl, talvez este não seja o ponto de partida ideal. O disco de estreia do Magma não entrega exatamente o que se espera de um subgênero conhecido por sua grandiosidade, espiritualidade densa e combinações musicais quase sobrenaturais. No entanto, isso não significa que o álbum seja desprovido de valor — pelo contrário, ele é fascinante à sua maneira, carregando em si as sementes do que a banda viria a se tornar, ainda que distante das características que definiriam o Zeuhl mais tarde. Mesmo que não seja um reflexo imediato do subgênero, Kobaïa apresenta uma série de ideias promissoras e experimentalismo que merecem ser apreciados.

A influência do jazz permeia o álbum de forma inegável, mas há algo mais que torna este registro único em relação ao que o Magma viria a ser no futuro. Aqui, a voz é tratada como mais um instrumento, sem a exuberância dos corais e citações misteriosas que seriam tão emblemáticas nas obras posteriores. A maior parte do tempo, o ouvinte é envolvido por um canto que não pretende narrar ou poetizar, mas sim mergulhar na musicalidade pura, o que difere drasticamente dos épicos enigmáticos que definiriam a banda posteriormente.

Outro ponto interessante é a estrutura episódica que predomina ao longo do disco, como se cada membro da banda estivesse experimentando com suas próprias ideias, sem uma direção única a ser seguida. As composições apresentam mudanças frequentes e abruptas, criando uma sensação de fragmentação que, embora intrigante, contrasta com a coesão estilística mais sólida que a banda alcançaria nos anos seguintes. Este não é de fato um álbum Zeuhl no sentido tradicional. Ele parece flertar com um jazz filtrado por lentes alienígenas, quase como uma versão extraterrestre do gênero. No entanto, essa falta de consistência estilística não o impede de ser uma experiência auditiva interessantissima.


DISCO 1:

O álbum se abre com uma peça homônima que logo exibe sua percussão jazzística e uma linha de baixo pulsante que se funde a uma sonoridade latina, algo que poderia até ser comparado ao trabalho de Santana. A combinação do teclado e dos instrumentos de sopro acrescenta uma sensação de fusion, mas é nos sopros que o experimentalismo se destaca, revelando uma banda ainda em busca de sua identidade. Mais adiante, o som começa a flertar com a atmosfera sombria e misteriosa que se tornaria sua marca registrada, estabelecendo um vínculo com o futuro sonoro da banda.

“Aina” segue uma linha ainda mais jazzística, com toques latinos e uma percussão distinta. Entretanto, a faixa apresenta um certo desafio: seu primeiro desvio instrumental se aproxima do jazz mainstream, o que pode soar menos inovador para quem busca o inusitado. Não é ruim, mas talvez falte aquele toque especial que eleva uma música ao status de memorável. “Malaria” é uma jornada sonora verdadeiramente aventureira, marcada por colisões instrumentais que se repetem até se transformarem em algo mais denso e intrigante, com flautas dissonantes e arranjos cacofônicos. É uma música que vai além das expectativas, oferecendo momentos fascinantes que desafiam a lógica convencional da composição.

“Sohïa” mantém o mistério e a atmosfera enigmática, com uma progressão que vai se tornando cada vez mais mística e envolvente. As mudanças bruscas de direção criam uma experiência sonora que parece explorar novas dimensões, enquanto “Sckxyss”, embora curta, entrega um drama profundo com vocais impressionantes e estruturas que, embora dissonantes, mantêm uma coerência peculiar e intrigante. “Auraë” encerra o primeiro disco com uma carga mística e aterrorizante. A introdução com piano sombrio logo dá lugar a uma flauta hipnotizante, cuja melodia vai se tornando mais rica à medida que os instrumentos se juntam. Quando os vocais característicos de Christian Vander entram em cena, a música atinge seu ápice, oferecendo uma ótima conclusão para o primeiro ato do álbum.


DISCO 2:

O segundo disco se inicia com “Thaud Zaïa”, uma faixa guiada por flautas suaves que logo se transformam em algo mais desconcertante e dissonante. A ousadia de uma banda que em 1970 já desafiava as convenções musicais com tamanha inovação é admirável. Em “Naü Ektila”, o jazz rock com improvisos e baterias marcantes se funde a uma atmosfera medieval, criando uma peça surpreendente. Aqui, o caos assume formas radicais, com guitarras hard rock se misturando à base jazzística em uma síntese de pura loucura criativa.

“Stöah” aprofunda ainda mais o experimentalismo, com uma introdução vocal peculiar que evoca a sensação de um discurso histórico. O piano vanguardista e os vocais estranhos criam uma tensão crescente, enquanto a flauta e o piano entregam momentos de beleza antes que a música acelere novamente em uma maré de estranheza e brilho. Por fim, “Mûh” continua a tradição de mudanças radicais e inesperadas, abrindo com uma passagem celestial de piano que logo é interrompida por uma melodia alegre de jazz latino. O interlúdio neoclássico que se segue é apenas mais um dos muitos desvios criativos desta faixa, tornando-a difícil de descrever sem cair no caos descritivo.

Apesar de estar um pouco à margem dos padrões que o Magma estabeleceria mais tarde, este disco é uma das criações mais inovadoras e progressivas de sua época. É uma obra que desafia o ouvinte a se entregar à sua complexidade, e embora seja difícil de assimilar de imediato, oferece uma recompensa gratificante para aqueles dispostos a explorar seus meandros. Se você deseja compreender o rock progressivo em toda a sua amplitude, este álbum é essencial para sua coleção.

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If you are just beginning to explore the world of Zeuhl, this may not be the ideal starting point. Magma's debut album doesn't exactly deliver what one might expect from a subgenre known for its grandiosity, dense spirituality, and near-supernatural musical combinations. However, this doesn’t mean the album lacks value — on the contrary, it is fascinating in its own way, carrying the seeds of what the band would eventually become, even though it’s far from the characteristics that would define Zeuhl later on. While not an immediate reflection of the subgenre, Kobaïa introduces a series of promising ideas and experimentalism that deserve to be appreciated.

Jazz influences permeate the album undeniably, but there’s something else that makes this record unique compared to what Magma would become in the future. Here, the voice is treated as just another instrument, without the grandeur of the chorales and mysterious citations that would become so emblematic in later works. For most of the time, the listener is enveloped by singing that doesn't aim to narrate or poetize, but rather to dive into pure musicality, which differs drastically from the enigmatic epics that would later define the band.

Another interesting point is the episodic structure that predominates throughout the album, as if each band member is experimenting with their own ideas, without a singular direction to follow. The compositions present frequent and abrupt changes, creating a sense of fragmentation that, while intriguing, contrasts with the more solid stylistic cohesion the band would achieve in the following years. This is not a Zeuhl album in the traditional sense. It seems to flirt with jazz filtered through alien lenses, almost like an extraterrestrial version of the genre. However, this lack of stylistic consistency doesn’t prevent it from being a fascinating auditory experience.


DISCO 1:

The album opens with a self-titled track that immediately showcases its jazz-infused percussion and a pulsating bassline fused with a Latin sound, something that could even be compared to Santana’s work. The combination of keyboards and wind instruments adds a fusion feeling, but it’s in the wind section where the experimentalism stands out, revealing a band still searching for its identity. Later on, the sound begins to flirt with the dark and mysterious atmosphere that would become their trademark, establishing a link with the band's future sound.

“Aina” follows an even more jazz-oriented line, with Latin touches and distinct percussion. However, the track presents a certain challenge: its first instrumental detour approaches mainstream jazz, which may sound less innovative for those seeking the unusual. It’s not bad, but perhaps lacks that special touch that elevates a song to a memorable status. “Malaria” is a truly adventurous sonic journey, marked by instrumental collisions that repeat until they transform into something denser and more intriguing, with dissonant flutes and cacophonous arrangements. It’s a track that goes beyond expectations, offering fascinating moments that defy conventional compositional logic.

“Sohïa” maintains the mystery and enigmatic atmosphere, with a progression that becomes increasingly mystical and immersive. The sudden changes in direction create a sound experience that seems to explore new dimensions, while “Sckxyss,” though short, delivers deep drama with impressive vocals and structures that, while dissonant, maintain a peculiar and intriguing coherence. “Auraë” closes the first disc with a mystical and terrifying charge. The dark piano introduction soon gives way to a hypnotic flute, whose melody becomes richer as more instruments join in. When Christian Vander's characteristic vocals enter, the music reaches its peak, offering a great conclusion to the album's first act.


DISCO 2:

The second disc opens with “Thaud Zaïa,” a track guided by soft flutes that soon transform into something more unsettling and dissonant. The boldness of a band that, in 1970, was already challenging musical conventions with such innovation is admirable. In “Naü Ektila,” jazz rock with improvisations and striking drums merges with a medieval atmosphere, creating a surprising piece. Here, chaos takes on radical forms, with hard rock guitars mixing with a jazz base in a synthesis of pure creative madness.

“Stöah” delves even further into experimentalism, with a peculiar vocal introduction evoking the sensation of a historical speech. Avant-garde piano and strange vocals create a growing tension, while the flute and piano deliver moments of beauty before the music picks up again in a tide of strangeness and brilliance. Finally, “Mûh” continues the tradition of radical and unexpected changes, opening with a celestial piano passage soon interrupted by a cheerful Latin jazz melody. The neoclassical interlude that follows is just one of the many creative twists of this track, making it hard to describe without falling into descriptive chaos.

Despite being somewhat on the fringe of the standards Magma would establish later, this album is one of the most innovative and progressive creations of its time. It’s a work that challenges the listener to immerse themselves in its complexity, and though it’s difficult to absorb immediately, it offers a rewarding experience for those willing to explore its intricacies. If you want to understand progressive rock in all its breadth, this album is essential for your collection.

NOTA: 8/10

Tracks Listing

DISCO 1:

1. Kobaïa (10:15)
2. Aïna (6:15)
3. Malaria (4:20)
4. Sohïa (7:35)
5. Sckxyss (3:47)
6. Auraë (10:55)


DISCO 2:

1. Thaud Zaïa (7:00)
2. Naü Ektila (12:55)
3. Stöah (8:05)
4. Mûh (11:13)

Ouça, "Auraë"




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