Marco Antônio Araújo foi sem dúvidas um dos maiores e mais subestimados gênios da música instrumental brasileira. Seu álbum Lucas é um verdadeiro tesouro do rock progressivo nacional, uma mescla impecável de progressivo sinfônico com elementos de folk, onde cada faixa traz uma profundidade emocional e musical raramente vista em outros trabalhos do gênero no Brasil.
O disco, composto por apenas quatro faixas, já se destaca pelo título em homenagem a seu filho, Lucas. E, de fato, cada uma das canções carrega um sentido muito pessoal e íntimo, como se Araújo estivesse transmitindo seus sentimentos e reflexões mais profundos através das melodias cuidadosamente construídas.
A abertura, “Lembranças”, é um épico que se desenvolve de forma majestosa. Os pratos introduzem o ouvinte a um universo sonoro repleto de camadas atmosféricas, que vão ganhando vida com a inclusão de flauta, piano e violino. A flauta, em especial, dá o tom de toda a peça, com sua melodia serena e envolvente. A guitarra, embora remeta a Steve Hackett, possui uma identidade própria, com influências clássicas evidentes, mas mantendo a originalidade de Marco Antônio Araújo. O retorno à sonoridade inicial no fim da faixa dá a sensação de completude e ciclicidade, como uma memória sendo revisitada e encerrada com paz. “Caipira” traz o cheiro do campo e a leveza da natureza para a música. O título já sugere essa conexão com o interior, e a combinação de piano, baixo, violão e flauta reforça essa impressão. A faixa é marcada por um dinamismo maior que o da abertura, com uma bateria mais ativa e uma construção que evoca a simplicidade e a beleza da vida rural. É um verdadeiro passeio pelas paisagens bucólicas com a sensibilidade típica de Araújo.
Na faixa-título, “Lucas”, a homenagem ao filho ganha contornos mais melancólicos e introspectivos. Há uma certa escuridão na atmosfera da música, com notas que parecem carregar uma tristeza silenciosa, talvez um reflexo dos sentimentos de um pai que contempla a complexidade da vida. O violão, sobre um fundo de sintetizador, soa como um lamento suave e profundo. Apesar de sua beleza indiscutível, essa faixa surpreende pela sua atmosfera mais sombria, oferecendo uma experiência emotiva e reflexiva ao ouvinte. O encerramento com “Para Jimmy Page” é uma homenagem clara ao lendário guitarrista do Led Zeppelin, mas com a marca inconfundível de Marco Antônio Araújo. Aqui, ele utiliza apenas o violão, em uma peça que lembra os momentos mais folk de Page, mas com a classe e a delicadeza de quem entende profundamente a música. A influência clássica de Steve Howe também pode ser percebida, mas a faixa é, acima de tudo, uma demonstração da habilidade de Araújo como violonista. Simples, mas tocante, é um final perfeito para um álbum que, apesar de curto, é profundo e impactante.
No fim das contas, Lucas é um álbum de rara beleza, que toca o coração e envolve o ouvinte em uma experiência sensorial única. As melodias suaves e emocionantes, o uso refinado dos instrumentos e a sensibilidade com que cada nota é tocada fazem deste disco uma obra-prima que merece ser mais reconhecida. Marco Antônio Araújo foi um mestre da melodia, e quem ainda não teve o privilégio de ouvir Lucas está perdendo uma das maiores preciosidades musicais que o Brasil já produziu.
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Marco Antônio Araújo was undoubtedly one of the greatest and most underrated geniuses of Brazilian instrumental music. His album Lucas is a true treasure of Brazilian progressive rock, an impeccable blend of symphonic progressive rock with folk elements, where each track brings an emotional and musical depth rarely seen in other works of the genre in Brazil.
The album, consisting of only four tracks, stands out immediately with its title, a tribute to his son, Lucas. And indeed, each of the songs carries a very personal and intimate meaning, as if Araújo were conveying his deepest feelings and reflections through the carefully constructed melodies.
The opening track, “Lembranças,” is an epic that unfolds majestically. The cymbals introduce the listener to a sonic universe full of atmospheric layers, which come to life with the inclusion of flute, piano, and violin. The flute, in particular, sets the tone for the entire piece, with its serene and enveloping melody. The guitar, though reminiscent of Steve Hackett, has its own identity, with evident classical influences while maintaining Marco Antônio Araújo’s originality. The return to the initial sound at the end of the track gives a sense of completeness and cyclicality, like a memory being revisited and peacefully closed. “Caipira” brings the scent of the countryside and the lightness of nature into the music. The title already suggests this connection to rural life, and the combination of piano, bass, acoustic guitar, and flute reinforces this impression. The track is marked by greater dynamism than the opener, with more active drumming and a composition that evokes the simplicity and beauty of rural life. It’s truly a stroll through bucolic landscapes with Araújo’s typical sensitivity.
In the title track, “Lucas,” the tribute to his son takes on more melancholic and introspective tones. There is a certain darkness in the atmosphere of the music, with notes that seem to carry a silent sadness, perhaps reflecting the feelings of a father contemplating the complexity of life. The acoustic guitar, against a backdrop of synthesizer, sounds like a soft and profound lament. Despite its undeniable beauty, this track surprises with its darker atmosphere, offering the listener an emotional and reflective experience. The album closes with “Para Jimmy Page,” a clear tribute to the legendary Led Zeppelin guitarist, but with Marco Antônio Araújo’s unmistakable touch. Here, he uses only the acoustic guitar in a piece that echoes Page’s more folk moments but with the class and delicacy of someone who deeply understands music. The classical influence of Steve Howe can also be felt, but the track is, above all, a demonstration of Araújo’s skill as a guitarist. Simple yet touching, it’s a perfect ending to an album that, although short, is deep and impactful.
Ultimately, Lucas is an album of rare beauty, touching the heart and enveloping the listener in a unique sensory experience. The gentle and moving melodies, the refined use of instruments, and the sensitivity with which each note is played make this record a masterpiece that deserves greater recognition. Marco Antônio Araújo was a master of melody, and anyone who has not yet had the privilege of hearing Lucas is missing out on one of the greatest musical gems Brazil has ever produced.
NOTA: 10/10
Tracks Listing
1. Lembranças (16:35)
2. Caipira (6:22)
3. Lucas (4:22)
4. Para Jimmy Page (5:17)
Ouça, "Lucas"
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