David Gilmour - Luck and Strange (2024)


Merecidamente reconhecido como um verdadeiro mestre da melodia, David Gilmour pode ser facilmente considerado uma espécie de paradoxo de si mesmo, sendo um virtuoso que navega perfeitamente entre o sutil e o grandioso. O guitarrista é amplamente aclamado por meio de um estilo que o torna um verdadeiro arquiteto das mais belas catedrais sônicas, além de existir dentro de uma dualidade onde o simples se torna grandioso e o grandioso se desmancha em simplicidade.

Aos 78 anos, David Gilmour continua provando que sua genialidade não está necessariamente ligada à virtuosidade técnica, mas sim, à sua habilidade em criar composições que tocam profundamente a alma de quem as ouve, onde cada nota e acorde são cuidadosamente escolhidos para criar uma experiência intensa e envolvente, com cada detalhe, por menor que seja, contribuindo para criar uma atmosfera imersiva, capaz de transportar quem se deixar levar por sua música, para um lugar de introspecção e conexão emocional.

Luck and Strange, 5º disco de estúdio do músico, dentro de uma musicalidade delicada e característica, oferece um trabalho lírico que ajuda refletir sobre o que constitui uma experiência genuína em um mundo saturado de superficialidade, sobre a durabilidade das conexões interpessoais, sobre encontrar significado diante da mortalidade inevitável e da incerteza que permeia a existência humana entre outros, sempre dentro de uma exploração poética e multifacetada desses temas, oferecendo momentos de reflexão profunda e introspectiva. Novamente, quase todo as letras foram escritas por Polly Samson, esposa de Gilmour.

"Black Cat", uma faixa instrumental de cerca de um minuto e meio, abre o álbum estabelecendo de imediato o clima característico da música de David. Com sua atmosfera introspectiva e arranjos sutis, a peça oferece uma pequena amostra do estilo sofisticado e inconfundível do guitarrista. "Luck and Strange", o blues nunca foi um gosto oculto de David Gilmour, e faixas como essa evidenciam isso. Com apoio das teclas de Richard Wright, é muito bem construída por meio de várias “brincadeiras” de guitarra, enquanto entrega algumas reflexões sobre o tempo.

"The Piper's Call" é uma composição que Gilmour criou originalmente em um ukulele, dando à peça uma origem curiosa. Começa de forma acústica e suave, com acordes delicados que estabelecem uma sensação íntima, mas logo se transforma, crescendo de maneira gradual até culminar em um solo carregado de intensidade emocional. Novamente, é possível sentir uma atmosfera de blues. Uma música que atenta aos perigos que é o de cair nas promessas vazias de soluções rápidas

"A Single Spark" apresenta uma atmosfera mais melancólica em comparação com as faixas anteriores, mas essa tonalidade sombria encaixa-se perfeitamente com a temática lírica, que reflete sobre a fragilidade e a efemeridade da vida. Mais uma vez, um solo de guitarra brilhantemente executado se destaca, adicionando camadas de profundidade e realçando extremamente bem com o seu tom reflexivo.

"Vita Brevis" é um breve interlúdio atmosférico que funciona como uma ponte delicada para a faixa seguinte. "Between Two Points" traz uma colaboração familiar, com Romany Gilmour nos vocais e harpa, enquanto Gabriel Gilmour, seu irmão, contribui com o vocal de apoio. A voz suave e etérea de Romany, combinada com a atmosfera celestial da música, preserva a aura contemplativa da versão original dos The Montgolfier Brothers. No entanto, a inclusão da guitarra melódica e inconfundível de Gilmour adiciona uma nova camada emocional, enriquecendo a interpretação com sua marca clássica.

"Dark and Velvet Nights" apresenta uma letra adaptada de um poema que Polly Samson escreveu para Gilmour em um de seus aniversários de casamento. Liricamente, a canção explora a busca por um refúgio seguro na intimidade compartilhada, refletindo sobre como símbolos externos, como uma simples aliança, são frágeis e incapazes de capturar plenamente a profundidade de uma conexão verdadeira. Musicalmente, a faixa se destaca por sua sonoridade mais robusta e densa, contrastando com a delicadeza da mensagem, mas reforçando o peso emocional do tema.

"Signs" conduz o álbum de volta a uma sonoridade suave e serena, proporcionando um momento de tranquilidade após uma faixa muito mais intensa. A música é construída com arranjos delicados e envolventes, criando uma atmosfera de paz e contemplação que permeia toda a composição, enquanto é feita uma bonita reflexão sobre o amor, a perda e a luta para manter algo tão genuíno em um mundo cada vez mais caótico.

"Scattered" é a faixa do álbum que mais se assemelha ao som do Pink Floyd. Com belos arranjos de piano e orquestrações cuidadosas, a canção é enriquecida por um Gilmour em plena forma, tanto no violão quanto na guitarra. Na parte final, ele entrega um solo intenso, pesado e cheio de fervor. Liricamente, simbolismos abordam a luta humana contra a passagem inevitável do tempo, refletindo sobre a impotência diante desse processo cabal e incontrolável.

"Yes, I Have Ghosts", lançada originalmente em 2020, entrou no disco como uma das duas faixas bônus. Tem a participação de Romany na harpa e vocais de apoio que casam perfeitamente com a voz de David. É marcada por um violão de timbre sofisticado e que adiciona um sutil toque folk, além de acentuar a profundidade emocional da música que fala sobre como o peso das experiências e relacionamentos passados pode persistir, moldando e assombrando nossas vidas atuais de maneira persistente.

"Lucky and Strange (Original Barn Jam)", a outra faixa bônus do álbum, tem uma duração de quatorze minutos, e como o título sugere, é uma jam improvisada da faixa título do disco. Gravada originalmente em 2007, a faixa conta com a participação de Richard Wright, trazendo novamente um toque nostálgico ao som. Embora a influência do blues seja evidente, a execução da faixa possui uma sonoridade que se inclina mais para um jazz moderno cheio de leveza. Enquanto é mostrado toda a habilidade dos músicos em criar um ambiente sonoro sofisticado e envolvente.

Em Luck and Strange, David Gilmour demonstra um equilíbrio sutil e sofisticado, que serve como um reflexo profundo de sua habilidade musical refinada e sua vasta experiência como artista. Cada faixa é uma prova da profunda destreza de Gilmour em combinar texturas sonoras complexas com uma sensibilidade melódica única. Do começo ao fim, o álbum revela uma maturidade musical impressionante, com arranjos muito bem elaborados e uma execução impecável.

Quando David afirmou que Luck and Strange é o seu melhor trabalho desde Dark Side of the Moon, é provável que ele estivesse considerando fatores além dos puramente musicais, incluindo aspectos pessoais e contextuais que influenciam sua visão artística. No entanto, se a questão for exclusivamente na dimensão musical, minha avaliação diverge dessa declaração. Porém, Luck and Strange destaca-se por seu brilho e profundidade, mas não apenas por isso, ele possui uma qualidade especial que ressoa com a sofisticação e o talento de Gilmour. Isso faz com que a partir de agora, eu o enxergue como seu melhor disco solo.

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Deservedly recognized as a true master of melody, David Gilmour can easily be considered a kind of paradox unto himself, being a virtuoso who navigates perfectly between the subtle and the grand. The guitarist is widely acclaimed for a style that makes him a true architect of the most beautiful sonic cathedrals, existing within a duality where the simple becomes grand, and the grand dissolves into simplicity. 

At 78, David Gilmour continues to prove that his genius is not necessarily tied to technical virtuosity but rather to his ability to create compositions that deeply touch the soul of those who listen to them. Every note and chord are carefully chosen to create an intense and immersive experience, with every detail, no matter how small, contributing to an atmosphere capable of transporting the listener to a place of introspection and emotional connection.

Luck and Strange, Gilmour's fifth studio album, within a delicate and characteristic musicality, offers lyrical work that reflects on what constitutes a genuine experience in a world saturated with superficiality, on the durability of interpersonal connections, on finding meaning in the face of inevitable mortality and the uncertainty that permeates human existence, among other themes. These are always explored poetically and multifacetedly, offering moments of deep and introspective reflection. Once again, nearly all the lyrics were written by Polly Samson, Gilmour's wife.

"Black Cat," a brief instrumental track of about a minute and a half, opens the album, immediately establishing the characteristic mood of Gilmour's music. With its introspective atmosphere and subtle arrangements, the piece offers a small taste of the guitarist's sophisticated and unmistakable style. "Luck and Strange," blues has never been a hidden taste of David Gilmour, and tracks like this make that clear. With Richard Wright's keys providing support, the song is masterfully built through various guitar “playfulness,” while delivering some reflections on time.

"The Piper's Call" is a composition Gilmour originally created on a ukulele, giving the piece a curious origin. It begins acoustically and gently, with delicate chords establishing an intimate feel, but soon transforms, gradually growing until culminating in a solo full of emotional intensity. Once again, a blues atmosphere is felt, warning against the dangers of falling for empty promises of quick solutions.

"A Single Spark" presents a more melancholic atmosphere compared to the previous tracks, but this darker tone fits perfectly with the lyrical theme, reflecting on the fragility and ephemerality of life. Once again, a brilliantly executed guitar solo stands out, adding layers of depth and enhancing the song's reflective tone beautifully.

"Vita Brevis" is a brief atmospheric interlude that serves as a delicate bridge to the next track. "Between Two Points" features a familiar collaboration, with Romany Gilmour on vocals and harp, while her brother Gabriel Gilmour contributes backing vocals. Romany's soft, ethereal voice, combined with the celestial atmosphere of the music, preserves the contemplative aura of the original version by The Montgolfier Brothers. However, the inclusion of Gilmour's melodic and unmistakable guitar adds a new emotional layer, enriching the interpretation with his classic touch.

"Dark and Velvet Nights" features lyrics adapted from a poem Polly Samson wrote for Gilmour on one of their wedding anniversaries. Lyrically, the song explores the search for a safe refuge in shared intimacy, reflecting on how external symbols, like a simple wedding ring, are fragile and incapable of fully capturing the depth of a true connection. Musically, the track stands out for its more robust and dense sound, contrasting with the delicacy of the message while reinforcing the emotional weight of the theme.

"Signs" brings the album back to a soft, serene sound, providing a moment of tranquility after a much more intense track. The song is built with delicate and enveloping arrangements, creating an atmosphere of peace and contemplation that permeates the entire composition, while offering a beautiful reflection on love, loss, and the struggle to maintain something so genuine in an increasingly chaotic world.

"Scattered" is the track on the album that most resembles the sound of Pink Floyd. With beautiful piano arrangements and careful orchestrations, the song is enriched by a Gilmour in top form, both on acoustic guitar and electric. In the final part, he delivers an intense, heavy, and fervent solo. Lyrically, symbols address the human struggle against the inevitable passage of time, reflecting on the powerlessness in the face of this inevitable and uncontrollable process.

"Yes, I Have Ghosts," originally released in 2020, made its way into the album as one of the two bonus tracks. It features Romany on harp and backing vocals that perfectly complement David's voice. It's marked by a sophisticated guitar tone, adding a subtle folk touch and accentuating the emotional depth of the song, which speaks about how the weight of past experiences and relationships can persist, shaping and haunting our current lives in a lasting way.

"Lucky and Strange (Original Barn Jam)," the other bonus track, runs for fourteen minutes, and as the title suggests, it's an improvised jam of the album's title track. Originally recorded in 2007, the track features Richard Wright, bringing once again a nostalgic touch to the sound. Although the influence of blues is evident, the execution of the track leans more toward a modern jazz filled with lightness, showcasing the musicians' ability to create a sophisticated and engaging sonic environment.

In Luck and Strange, David Gilmour demonstrates a subtle and sophisticated balance that serves as a profound reflection of his refined musical ability and vast experience as an artist. Each track is a testament to Gilmour's profound skill in combining complex sonic textures with a unique melodic sensibility. From start to finish, the album reveals impressive musical maturity, with meticulously crafted arrangements and flawless execution.

When David claimed that Luck and Strange is his best work since Dark Side of the Moon, he was likely considering factors beyond purely musical ones, including personal and contextual aspects that influence his artistic vision. However, if we are talking solely on the musical dimension, my evaluation diverges from that statement. Nevertheless, Luck and Strange stands out for its brilliance and depth, but not just for that—it possesses a special quality that resonates with Gilmour's sophistication and talent. This leads me to now see it as his best solo album.

NOTA: 9/10

Tracks Linting

1. Black Cat (1:32)
2. Luck and Strange (6:57)
3. The Piper's Call (5:15)
4. A Single Spark (6:04)
5. Vita Brevis (0:46)
6. Between Two Points (5:47)
7. Dark and Velvet Nights (4:45)
8. Sings (5:14)
9. Scattered (7:34)
10. Yes, I Have Ghosts (3:50)
11. Luck and Strange (original barn jam) (14:00)

Assista ao vídeo oficial de "Between Two Points"





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